Reportagem especial da Carta da Indústria
Mudanças em legislações estão contribuindo para novos tipos de uso e ocupação territorial urbana no Rio de Janeiro. Moradias sendo construídas no Centro da cidade e na Zona Portuária e hotéis sendo transformados em residenciais são exemplos recentes na capital. Para a transformação de prédios comerciais, foi criado há um ano o projeto Reviver Centro, que é um plano de recuperação urbanística, cultural, social e econômica da região. O maior objetivo é atrair novos moradores, aproveitando edifícios existentes e terrenos vazios. O plano é baseado em legislações de 2021, a Lei Complementar nº 229 e a Lei nº 6.999.
A Firjan e o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro (Sinduscon-Rio) são instituições que apoiam essas mudanças. “Sempre acreditamos no potencial do Centro do Rio, dada toda a infraestrutura instalada no local, seja a disponibilidade de transporte público, seja a oferta de água, luz e esgoto, e toda a logística que permite que você chegue ou saia da região com facilidade. Por isso, há um alto potencial de valorização”, explica Claudio Hermolin, presidente do Sinduscon-Rio.
Marcelo Kaiuca, presidente do Fórum Setorial da Construção Civil da Firjan e vice-presidente da federação, também vislumbra uma grande oportunidade de mercado, decorrente da mudança na legislação. A região central será mais bem aproveitada, unindo residência em meio às áreas corporativas e comerciais. “A legislação era impeditiva. O Reviver Centro é um plano para requalificar a região. Além de permitir a conversão do uso comercial para o residencial, ainda autoriza a construção de moradias em terrenos vazios”, avalia.
Modelo de cidade
Hermolin classifica como modelo antigo de cidade, ou ainda de cidade partida, aquele em que há um bairro para trabalhar, outro para morar e um terceiro para a população se divertir. Esse modelo deixou o Centro por muito tempo como um bairro comercial. “Com a modernização dos modelos de cidades, tendo várias centralidades e necessitando de um equilíbrio entre o bairro comercial e o residencial, foi então proposto o Reviver Centro, lançado pela Prefeitura. O projeto tem por objetivo gerar um equilíbrio maior entre o comercial e o residencial, fazendo com que o bairro deixe de funcionar, na prática, apenas de segunda a sexta de 8h às 18h, passando a ter vida 24 horas por dia, sete dias por semana”, ressalta.
No primeiro ano do projeto, 2 mil unidades residenciais foram aprovadas, mas nem todas já foram lançadas, segundo a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ). “Algumas já estão em obras. É um volume maior que o dos últimos 10 anos juntos. A Lei que prevê incentivos teve êxito. Entre comprar, lançar, entregar são quatro, cinco anos. Em 2022, devem ser entregues as primeiras unidades”, analisa Marcos Saceanu, presidente da Ademi-RJ e CEO da Piimo Empreendimentos Imobiliários.
Entre as vantagens da legislação do Reviver, Saceanu cita o direito a fazer um pavimento de uso comum a mais do que o já existente. Há ainda benefícios tributários para os clientes na hora de pagar impostos como o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Ele fala ainda da operação interligada: uma empresa pode fazer um investimento no Centro e levar benefícios semelhantes para outras áreas da cidade que considere mais vantajosa. A Piimo fez um acordo comercial com uma empresa que constrói no Centro e usou esse potencial para incrementar uma obra em Ipanema, na Zona Sul da capital.
Potencial de crescimento
Em um ano de Reviver, a iniciativa privada já aumentou em cinco vezes o número de licenciamentos e aprovações de projetos habitacionais para o Centro. Mas há muitos terrenos e prédios que são públicos na região. De acordo com o Sinduscon-Rio, um levantamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) identificou um potencial de 75 ativos públicos das regiões do Centro e do Porto do Rio que podem ser convertidos em residenciais – mas dependem que os governos os disponibilizem para moradia.
Qual o perfil do futuro morador do Centro do Rio? Hermolin acredita que tem oportunidade para todo tipo de ticket de moradia. As primeiras serão as de classe e renda mais econômicas, que vão migrar de áreas distantes do Centro do Rio, evitando horas de trânsito para ir e vir do trabalho. Esse será o primeiro público.
“Entendemos que a médio e longo prazos poderemos ter projetos de média e alta rendas na região”, prevê. O presidente da Ademi-RJ também acredita que o público inicial será oriundo da migração da Zona Norte ou da Baixada Fluminense, que deseja morar mais próximo do local de trabalho.
Porto para viver
Já a região portuária se beneficia de outra legislação específica, que criou o Porto Maravilha, na época da adequação para os Jogos Olímpicos de 2016 e a Copa do Mundo de 2014. “Durante muitos anos essa área não teve oferta de residenciais modernos, com infraestrutura de condomínio. As facilidades de transporte, com metrô, ônibus e VLT, além da proximidade da rodoviária e do Aeroporto Santos Dumont, são atrativos”, ressalta Leonardo Mesquita, vice-presidente da Cury Construtora, que está erguendo cinco prédios residenciais no Porto e um na Avenida Presidente Vargas – artéria do Centro do Rio –, com a primeira entrega de imóveis prevista para outubro de 2023.
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Ilustração do prédio residencial a ser construído pela Cury na Av. Presidente Vargas, Centro do Rio |
São 2.900 unidades habitacionais na Zona Portuária. Há desde estúdio até apartamentos de quatro quartos. O perfil é de casais jovens de classe média; e a Cury tem percebido o interesse de profissionais da Marinha, Aeronáutica e da Prefeitura. Na Avenida Presidente Vargas, são 360 unidades, de estúdio, um e dois quartos, voltados para famílias de classe média e investidores de olho na locação destinada a estudantes e profissionais da região. O residencial fica perto de uma estação do metrô e da Universidade Estácio de Sá. A previsão de entrega é dezembro de 2024.
“Apesar da mudança da legislação, ainda vai demorar um tempo para se conseguir resultado. Será cada vez mais custoso ter carro, então as pessoas vão priorizar evitar grandes deslocamentos”, estima Mesquita.
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Ilustração da fachada completa de prédio residencial a ser construído pela Cury na Av. Presidente Vargas, Centro do Rio |
Hotéis-residências
Outra mudança é a conversão de hotéis em residenciais. Pelo menos dez hotéis já estão em processo de serem transformados em moradias, gerando cerca de 1.570 unidades. A Lei do Retrofit incentiva essas transformações. Por ela, imóveis históricos e abandonados devem ser modernizados, mantendo a arquitetura preservada.
“Incentivados por essa lei, estamos transformando o Hotel Paysandu, no Flamengo, que estava fechado há três anos, em um condomínio com 50 apartamentos”, conta Saceanu, da Piimo. Outros exemplos na capital tocados por outras construtoras são o Hotel Gloria, o Intercontinental e até prédios menores como o Aymoré, no Centro.
Existe uma questão específica por trás desses movimentos de mercado no Rio. Devido à Copa do Mundo e à Olimpíada, a cidade quase duplicou a oferta de quartos de hotel. “Infelizmente a demanda de turistas não cresceu na mesma proporção. Isso gerou então uma grande quantidade de hotéis vazios ou quase impossíveis de se manter. A oportunidade de transformá-los em residência permite o melhor uso desses espaços, mas também que se reequilibre a oferta e demanda de hospedagem na cidade”, argumenta Hermolin.
A região central pode ser o novo vetor de crescimento da construção civil e do mercado imobiliário do Rio e de geração de emprego da cidade. Essa indústria é uma grande geradora de vagas por trabalhar com mão de obra intensiva. O presidente do Sinduscon-Rio ainda não consegue prever o tamanho da transformação e das oportunidades de emprego, mas está otimista.
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