Reportagem especial da Carta da Indústria
Lugar de mulher também é no chão de fábrica e na liderança de equipes e empresas. O avanço feminino na indústria, iniciado nas áreas administrativas, gradualmente se consolida com a ocupação de outras atividades, inclusive de direção. As pioneiras em cargos de liderança na indústria já estão há décadas à frente de responsabilidades antes atribuídas a homens, como Sílvia Lantimant, presidente do Conselho de Administração da Granfino, empresa carioca com 550 funcionários, hoje presidida por sua prima Renata Barone. “É uma empresa familiar, dirigida por cinco primos-irmãos. Eu tinha experiência administrativa, era proprietária de uma confecção de roupas. Recebi uma boa oferta para vendê-la e meu pai logo me convocou para a Granfino, e lá se vão mais de 30 anos”, conta Sílvia.
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Silvia Lantimant, hoje presidente do Conselho da Granfino, acumula mais de 30 anos de indústria |
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Abrir caminho em ambientes masculinos foi um longo aprendizado para Márcia Carestiato Sancho, desde 2013 presidente da Firjan Centro-Norte Fluminense, que cursou Administração e foi trabalhar na gráfica da família, o primeiro dos setores “muito masculinos” que desbravou. Superando uma timidez natural, ela conseguiu liderar a categoria, tendo presidido o Sindicato das Indústrias Gráficas de Nova Friburgo e sendo a primeira mulher convidada a integrar o Rotary Club local, que também presidiu em 2003.
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Márcia Carestiato atua na indústria gráfica e desbravou caminhos antes ocupados por homens |
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Para Márcia, o respeito que adquiriu é a construção de ações pela comunidade, pela indústria, por ideias muito distantes do que se associa a “sexo frágil”. “Nunca desistam dos seus sonhos, sempre persistam, e que os desafios não sejam pedras no caminho, para que você consiga ter uma realização profissional, familiar e de vida”, aconselha.
No último dia 8/3, Dia Internacional da Mulher, o grupo Mulheres na Indústria do Norte Fluminense comemorou um ano de reuniões mensais para discutir os desafios da liderança feminina. “O traço comum a essas líderes é a determinação, aliada ao perfeccionismo e ao empenho em provar a própria competência. Um dos nossos objetivos é exatamente fomentar mais lideranças femininas, com cursos de capacitação”, afirma Monalisa Crespo, idealizadora do grupo e vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Vestuário de Campos (SindVest Campos).
Horizonte em ampliação
Carla Pinheiro é outro exemplo de executiva multitarefa. Diretora da Firjan, ela dirige a própria empresa e preside duas instituições – Sindicato das Indústrias de Joias e Lapidação de Pedras Preciosas do Estado do Rio de Janeiro (Sindijoias) e Associação de Joalheiros e Relojoeiros do Rio de Janeiro (Ajorio). Ela adianta que seu setor tem a maioria dos produtos voltada para o público feminino, mas os industriais são majoritariamente homens.
“Uma das minhas lutas é capacitar mais mulheres para conquistar seus espaços e fazer a diferença. Temos números e pesquisas que provam que a presença mais equilibrada entre homens e mulheres traz resultados para o faturamento”, avalia ela, que sempre fez parte de um universo com predominância masculina. Fez engenharia elétrica e trabalhou no mercado financeiro antes de se tornar empresária. Única mulher entre os irmãos, ela ingressou na Art’Lev aos 27 anos e hoje lidera a fábrica.
“Hoje em dia há muitas empreendedoras, mas não há políticas públicas voltadas para esse grupo, como acesso a crédito diferenciado, uma vez que o risco de inadimplência é muito menor para o público feminino. Entretanto, não há diferenciação das linhas”, exemplifica ela, que, em março, representou a Firjan na formatura de 234 alunas de 19 turmas do projeto Elas na Indústria, parceria da federação com a Prefeitura do Rio, por meio da Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher. A iniciativa oferece qualificação em especialidades diversas no setor industrial.
Aumentar as oportunidades para mulheres em setores que sempre se notabilizaram pela ocupação masculina, garantindo isonomia salarial pelo desempenho das mesmas funções, é meta defendida pela Firjan SENAI SESI entre seus associados, através de parcerias em programas desenvolvidos pelas empresas. Tais projetos buscam identificar e romper barreiras em indústrias que possuem desafios aparentemente simples, como uniformes e banheiros femininos, mas que continuam a persistir nos dias de hoje e que contribuem para limitar o acesso de mulheres ao mercado.
Projetos de inclusão
Empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que em 2020 ganhou o prêmio Faz Diferença pelo programa Diversidade na Siderurgia, buscam estimular o aumento da presença feminina e a promoção de pessoas negras e com deficiência a posições de liderança. Desde 2020, através do projeto, foram capacitadas mais de 200 mulheres, que fizeram cursos de qualificação profissional e competências socioemocionais com a Firjan SENAI SESI.
Eliane Damasceno, coordenadora de Projetos integrados em Responsabilidade Social da Firjan, informa que as empresas têm procurado a federação para parcerias que reduzam a desigualdade de gênero, sensibilizando gestores e equipes para o aumento de mulheres na operação. “São indústrias que querem reduzir espaços hostis à presença feminina e possuem iniciativas diversas para as quais pedem nosso apoio”, conta ela.
Um desses projetos é o Pertencer II, desenvolvido pela Gerdau Cosigua em parceria com a Firjan SENAI SESI. E foi o pontapé para a carreira da bacharel em Automação Industrial, Ana Paula Martins Cruz, de 25 anos, que trabalha na empresa como operadora de Processos Siderúrgicos. Segundo ela, o preconceito no meio contra as mulheres está em queda. “Na área administrativa é que as mulheres são vistas sem qualquer reserva. Na produção, no chão de fábrica, é necessário comprovar conhecimento, força, habilidade; mas acredito que estamos conseguindo mudar isso. Os projetos de inclusão são a melhor maneira de quebrarmos essa barreira”, opina Ana Paula.
Bayer e Enel
A Enel, por sua vez, abriu vaga este ano para 20 alunas da primeira turma da Escola de Mulheres Eletricistas, em parceria com a Firjan SENAI SESI. “Queremos promover a equidade voltada para nosso negócio, porém é preciso cuidado com as alunas. Se hoje temos uma área predominantemente exercida por homens, isso se deve também à falta de estrutura familiar de muitas mulheres para trabalharem no que lhes interessa”, pontua Cláudia Guimarães, head de Projetos de Sustentabilidade em Distribuição da Enel Brasil.
Sediada há 64 anos em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, a Bayer pretende equalizar seu quadro de pessoal com homens e mulheres até 2030. A fim de acelerar esse processo, criou o programa de qualificação e formação profissional Elas da Bayer: Impulsionando mulheres para a indústria, também em parceria com a Firjan SENAI SESI. As 25 vagas gratuitas para operadora de Produção Industrial foram preenchidas por moradoras do município, que poderão ser aproveitadas nos quadros temporários de funcionários a partir de junho.
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Participantes do programa de qualificação e formação profissional Elas da Bayer |
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“Graças à Firjan SENAI estamos trabalhando as competências socioemocionais da turma, pois o regime na indústria é de turnos ininterruptos, uma dificuldade para quem tem filhos pequenos. Muitas delas são mães solo, mas têm ajuda para cuidar da família e estão empenhadas em buscar uma qualificação. E das 25, duas são mulheres trans”, ressalta Ana Isabel dos Santos, gerente de Relações com a Comunidade do Parque Industrial de Belford Roxo.
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