O Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), aponta que 2.195 municípios brasileiros (41,9%) apresentam situação fiscal difícil ou crítica. De acordo com o estudo, o cenário é de alta dependência de transferência de receitas, planejamento financeiro vulnerável diante de crescimento de despesas obrigatórias e baixo nível de investimentos, resultando em piora do ambiente de negócios e precarização de serviços públicos essenciais à população.
O presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, ressalta a importância de reformas estruturais para a sustentabilidade das contas públicas. “Estamos reafirmando a necessidade de se estudar e se pressionar os líderes políticos para que deem aos administradores públicos capacidade de entregar melhores serviços e, portanto, termos um ambiente melhor de trabalho, que é importante para a economia e é fundamental para a sociedade e um mundo mais justo”, destaca Eduardo Eugenio.
Luiz Césio Caetano, vice-presidente da Firjan, também reforça a importância de mudanças profundas. “O IFGF promove debate de extrema relevância para o país, sobretudo neste momento de agenda de reformas estruturais. Precisamos tratar esse assunto com prioridade e, principalmente, com coragem para enfrentar questões que já estão enraizadas e, assim, dar um novo perfil à situação das contas públicas”, diz Luiz Césio.
Nesta edição do estudo foram analisadas as contas de 5.240 municípios, com dados oficiais de 2022 – últimos disponíveis. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que até 30 de abril de cada ano as prefeituras devem encaminhar suas declarações referentes ao ano anterior à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). De acordo com a Firjan, até 11 de julho de 2023, quando as informações foram coletadas, os dados de 328 prefeituras não estavam disponíveis ou apresentavam inconsistências que impediram análise.
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Com pontuação que varia de zero a um, o índice é composto pelos indicadores de “Autonomia”, “Gastos com Pessoal”, “Liquidez” e “Investimentos”. Após a análise de cada um deles, a situação dos municípios é considerada crítica (resultados inferiores a 0,4 ponto), de dificuldade (resultados entre 0,4 e 0,6 ponto), boa (resultados entre 0,6 e 0,8 ponto) ou de excelência (resultados superiores a 0,8 ponto). A média brasileira é de 0,6250 ponto. Entre as capitais, Salvador (BA) é a que alcançou o melhor desempenho (0,9823 ponto).
A avaliação específica do indicador de “Autonomia” revela que 1.570 cidades (30% do total) não são capazes de sustentar a Câmara de Vereadores e a estrutura administrativa da prefeitura. Para que pudessem arcar com essa despesa em 2022, foram gastos R$ 6 bilhões de transferências. O indicador de “Gastos com Pessoal” aponta ainda que 1.066 municípios brasileiros (20,3% do total) gastam mais de 54% de sua receita com a folha de pagamento do funcionalismo público e ultrapassam, no mínimo, o limite de alerta definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
De acordo com o gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart, a análise histórica sinaliza que o conjunto desses fatores, considerando a baixa autonomia e a rigidez orçamentária, tem resultado em dificuldade para o cumprimento de obrigações financeiras e em penalização de investimentos.
O indicador de “Liquidez” mostra que 1.591 cidades (30,4% do total) apresentam nível de liquidez difícil ou crítico e, entre elas, 382 terminaram o ano de 2022 sem recursos suficientes em caixa para cobrir as despesas que foram postergadas para este ano. Já o indicador de “Investimentos” revela que em 2.229 prefeituras (42,5% do total) os investimentos não representam nem 5% da receita. A Firjan sinaliza que isso significa menos recursos direcionados para o custeio de materiais básicos em escolas e unidades de atendimento à saúde, por exemplo.
O estudo aponta que apesar das questões estruturais que causam cenário de insustentabilidade das contas públicas, 3.045 municípios (58,1% do total) registram bons resultados na avaliação geral. A Firjan ressalta que a situação está relacionada principalmente ao cenário econômico, em especial à recuperação do PIB e à alta inflação observada em 2022 - conjuntura atípica que proporcionou forte aumento das receitas municipais e bons resultados no IFGF. No entanto, a Federação das Indústrias coloca que a análise detalhada do índice mostra que esse quadro positivo não é consistente e que os municípios ainda vivem em contexto de forte vulnerabilidade fiscal frente ao ciclo econômico.
“Os dados mostram que esse debate sobre a situação fiscal dos municípios e a necessidade de reformas estruturais é fundamental para o desenvolvimento socioeconômico sustentável do país. Os gestores precisam ter em mãos os instrumentos necessários para administrar de forma eficiente os recursos públicos nas mais diversas situações econômicas e assim superar as precariedades locais. Infelizmente, as regras do Federalismo Fiscal, da forma que estão colocadas, reforçam a baixa autonomia das prefeituras e engessam o gasto público”, explica Jonathas Goulart.
Distribuição de mais receita não é o caminho para solução do problema
O Índice Firjan de Gestão Fiscal ressalta que o quadro negativo das contas municipais está relacionado principalmente a questões estruturais. Por isso, a Firjan pontua que a distribuição de mais receita não é o caminho para a solução do problema de forma sustentável. A Federação das Indústrias defende que a distribuição de mais recursos traz alívios no curto prazo e que a sustentabilidade depende de medidas que alcancem questões estruturais.
Nesse sentido, o estudo sinaliza a necessidade de mudanças urgentes relacionadas cinco pontos: base de incidência de impostos, regras de distribuição de receitas, flexibilidade orçamentária, regras de criação e fusão de municípios e de responsabilidade fiscal. Confira os pontos defendidos pela Firjan:
- Base de incidência dos impostos - O sistema tributário brasileiro é caracterizado pelo elevado grau de complexidade e burocracia. A simplificação propiciada pela reforma tributária será fundamental para destravar o crescimento do país e contribuir para maior arrecadação da maioria das cidades.
- Regras de distribuição de receitas - Apesar dos ganhos oriundos da simplificação trazida pela reforma tributária, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal fonte de receita da maioria dos municípios, não está incluído no projeto. As regras de distribuição desse fundo são ineficientes e representam desestímulo para que gestores públicos busquem ampliar a arrecadação local. É urgente a revisão das regras de rateio para o alcance de um Federalismo Fiscal mais eficiente.
- Flexibilização orçamentária - A reforma administrativa tem papel fundamental para a garantia da flexibilização do orçamento municipal. Através dessa reforma, as cidades terão mecanismos para adaptar os custos com pessoal a sua realidade econômica e social. Nesse contexto, a aplicação de reforma previdenciária no âmbito municipal também é essencial. Há alto desequilíbrio nas contas previdenciárias dos municípios, além de grande passivo de dívida junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
- Regras de criação e fusão de municípios - A flexibilização para a emancipação de cidades desde a Constituição de 1988 gerou incentivos para a criação de prefeituras extremamente dependentes do governo federal. É preciso revisar as regras de criação de municípios no Brasil, assim como avaliar os casos em que seria mais eficiente a fusão de prefeituras. Cabe destacar que é fundamental que essa discussão ocorra após reformas do orçamento, como a tributária e a administrativa. Esse é um tema complexo e exige a análise de diversos fatores econômicos e sociais.
- Regras de responsabilidade fiscal - Para que as regras de responsabilidade fiscal de fato cumpram seu papel, é fundamental que as restrições e sanções já determinadas pela legislação sejam concretizadas. Caso contrário, a gestão ineficiente e irresponsável dos recursos públicos se tornará uma prática ainda mais comum.
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