Os critérios ESG – ambientais, sociais e de governança – vêm propor um novo modelo de operação e administração dos negócios. E não só: a agenda de sustentabilidade muda o mundo e, assim, o comportamento de empresas e também de investidores e consumidores. Mas como diz Sonia Consiglio Favaretto, especialista em Sustentabilidade e Comunicação Empresarial: calma, respira! Essa transformação não está sendo da noite para o dia. Há tempo de trilhar nessa direção e ir avançando gradativamente, para garantir o futuro das empresas. Nesta entrevista, Sonia, presidente do Conselho Consultivo da GRI Brasil e uma das palestrantes do Seminário Executivo da Jornada ESG Firjan IEL, dá uma série de orientações para entender o assunto e facilitar o caminho de todos. Confira a entrevista de Sonia à Carta da Indústria.
Carta da Indústria (CI): Explique para o empresário qual é a importância das boas práticas em ESG para a atividade dele.
Sonia Consiglio Favaretto: A primeira coisa é que, quando falamos de práticas de sustentabilidade, na verdade nos referimos a um novo modelo econômico, um novo modelo de gerir empresas e de se comportar no mundo. Isso é muito importante, porque não estamos querendo trazer uma nova agenda que vai competir com a agenda do negócio. Estamos transformando o negócio. E por que isso? No ano passado, completou 50 anos a famosa frase do Milton Friedman (economista norte-americano), de que “o negócio do negócio é o negócio”. Ou seja, uma visão que considerava só o aspecto econômico-financeiro. Esse modelo foi vencedor, chegamos até aqui, mas percebemos que questões sociais e ambientais impactam o negócio cada vez mais. Temos que transformar essa forma de operar. Se não começar a olhar o social e o ambiental no seu business, o resultado financeiro será impactado, seja por um desastre, uma crise social ou com seus parceiros.
CI: É uma agenda para mudar o mundo?
Sonia Consiglio Favaretto: A agenda da sustentabilidade vem propor um novo modelo de operação do mundo e, obviamente, dos negócios, de comportamento, consumo, administração de empresas. Traz o famoso tripé da sustentabilidade (triple botton line), termo cunhado em 1994 por John Elkington, um dos principais especialistas nessa temática. Coloca a expansão do modelo de negócios tradicional, que só considerava fatores econômicos, para um novo que insere a performance social e ambiental da companhia. Vivemos um boom de ESG, mas na essência é a mesma coisa que sustentabilidade. É importante dizer isso, porque está causando muita confusão. Uma empresa atua há anos com agenda de sustentabilidade, e as pessoas ficam na dúvida se ela faz ESG. É a mesma coisa na essência.
CI: Quais são os retornos positivos?
Sonia Consiglio Favaretto: Primeiro é uma questão de gerenciamento de risco. Se a empresa não olha para as questões sociais, ambientais e de governança, ela está colocando em risco o seu negócio. Já vimos empresas perdendo valor de mercado e reputação por isso. E depois é uma questão de oportunidades financeiras. Vemos empresas captando recursos no mercado a partir de uma agenda ESG. Estamos falando de acesso a mercado, de menor custo do capital, de redução de riscos, de atração e retenção de talentos.
CI: O boom da agenda ESG é mundial?
Sonia Consiglio Favaretto: Vimos agora a União Europeia (UE) anunciar a criação de uma taxa, a CBAM – Mecanismo de Carbono na Fronteira, que vai entrar em vigor em 2023. Vai sobretaxar itens, dependendo da intensidade de carbono na produção, começando pelos setores de aço, cimento, alumínio, fertilizante e eletricidade. Um estudo da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(Unctad) identificou que o Brasil é o oitavo país mais vulnerável a essa taxa, porque temos quase US$ 2 bilhões em exportações nesses segmentos para os europeus. Se o empresário quer ser um player global ou participar das cadeias de valor, mas não adota sustentabilidade, o mercado se fecha para ele. É um exemplo de como trafegam os benefícios. Tivemos esse anúncio da UE agora em julho, e, no dia seguinte, os democratas nos EUA concordaram em incluir um imposto sobre carbono nas importações de países que não tenham políticas agressivas de combate a mudanças climáticas.
CI: Caso a empresa ainda não tenha incorporado as boas práticas em ESG, quais as primeiras etapas?
Sonia Consiglio Favaretto: Costumo seguir oito passos para uma jornada da sustentabilidade. Primeiro, conhecimento e engajamento da alta liderança, pois sem o tom do líder essa agenda não vai andar de forma genuína. Daí a importância da Jornada ESG da Firjan IEL, porque, sem conhecimento, não avança. Capacitação é agenda obrigatória para conseguir atuar de forma verdadeira. Depois vem a definição do porquê. O que queremos fazer de diferente? Essa questão mais conceitual de posicionamento é fundamental para os próximos passos; e precisa definir quem será responsável por isso na empresa. Pode ser uma pessoa do time atenta aos movimentos, ao setor, às novidades, às regulações – porque, quando não tem dono, não vai operar bem. Para ser verdadeiro, vem o passo três: o envolvimento e engajamento do público interno, percebendo a relevância do tema, sabendo que gera orgulho, valor e verdade para a empresa. O quarto ponto é básico: fazer um diagnóstico para saber se já há iniciativas na área de sustentabilidade, porque muitas vezes existe, porém não com esse nome. De novo, a importância do passo um, do conhecimento e da liderança. Toda política de RH, de compras, de contratação de fornecedores, tudo isso envolve questões sociais que fazem parte de uma agenda de sustentabilidade. Nesse diagnóstico, veja as suas ações e as que o mercado faz. Tem muita informação disponível na internet. No Google, encontramos a agenda do concorrente e podemos ver se tem algo bacana. O passo cinco é definir um plano
de ação.
"Se não pretende seguir por esse caminho, não vai ter caminho. Todo mundo está mirando um cenário de baixo carbono e de responsabilidade social” - Sonia Favaretto
CI: O que deve constar no plano de ação?
Sonia Consiglio Favaretto: Devem constar as questões mais importantes na empresa, a serem definidas se estarão na política de compras ou se em uma nova política de diversidade. Outro passo, mais sofisticado, envolve ter uma política de sustentabilidade, não logo de início, mas depois de um ou dois anos. Essa política vai delimitar como vamos atuar nessa área, quais os limites, como os funcionários devem se posicionar. E há nesse momento um passo para envolver todos os públicos que interagem com a empresa: clientes, fornecedores, associações de classe, funcionários, de modo a incorporar opiniões. Como último passo, embora sejam ciclos que se retroalimentam, deve-se relatar e comunicar o que se faz e dar transparência, explicando em que momento a empresa está e por que adota uma prática e não outra.
CI: Como identificar a melhor política para iniciar o processo?
Sonia Consiglio Favaretto: Tenho usado muito a frase: “Tem que olhar a verdade da empresa”. Em diversidade, as empresas perguntam se têm que trabalhar com todos os públicos. Eu digo, calma, respira. Não pode adotar uma agenda simplesmente porque o mercado está pressionando. Olha o que o mercado pede, mas se volta para dentro da empresa e questiona: eu sou uma indústria de quê? De cosméticos para mulheres, por exemplo. Pode ser que a ação prioritária seja direcionada para diversidade de gênero. “Mas você não atua com raça?”, podem perguntar. Nunca vai dar para fazer tudo. Estamos falando de um modelo em transformação. Vai conseguir ser mais avançado em algumas questões e vai ficar devendo em outras. A empresa tem que se comprometer e publicizar seu plano de transição, porque ela nunca vai mudar o modelo de negócios do dia para noite. Estamos todos aprendendo.
CI: Quais recomendações você daria para as micro e pequenas empresas que não pretendem seguir por esse caminho?
Sonia Consiglio Favaretto: Se não pretendem seguir por esse caminho, não vai ter caminho. Todo mundo está mirando um cenário de baixo carbono e de responsabilidade social. Calcule bem o risco. No curtíssimo prazo, vai continuar operando, mas, no médio e longo prazos, essa empresa está fadada a desaparecer, pois vai encontrar barreiras à sua operação, será pressionada pela sociedade, não terá mais acesso a capital e o negócio estará inviabilizado.
CI: Como as boas práticas em ESG ajudam as empresas, sobretudo as de pequeno porte, a atravessarem momentos de crise econômica?
Sonia Consiglio Favaretto: A pandemia nos mostrou, pela dor, que o mundo é interconectado, que não dá mais para separá-lo em caixinhas: o ambiental aqui, o social lá, o econômico ali. É por isso que o ESG ganhou tanta visibilidade em 2020 e segue em 2021. Hoje as empresas são pressionadas por propósito e os líderes são mais humanos. Os pacotes econômicos de recuperação pós-pandemia tendem a privilegiar a agenda do desenvolvimento sustentável. Os investimentos anunciados em 2020 pelas 50 maiores economias tiveram já muitos recursos para transporte verde, edifícios verdes, pesquisa & desenvolvimento verde, descarbonização, capital natural. Percebemos que as oportunidades virão de novos negócios. Todas as pesquisas que vejo sobre investimento e consumo mostram o impacto da Covid-19 sobre a forma de ver o mundo. Os investidores querem aplicar dinheiro para colocar o seu propósito e o seu valor em prática.
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