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Novas tendências em tributação no mundo

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Publicado em 11/04/2022 10:56  -  Atualizado em  16/08/2023 11:56

Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, Rodrigo Orair explica os principais pontos em debate nas propostas de reforma tributária e conta o que há de novo no mundo sobre esse tema. Uma tendência internacional passa pela redução da taxação sobre o lucro das empresas e, por outro lado, aumento da tributação no nível da pessoa física. É a reversão do chamado trickle-down economics ou teoria do gotejamento. Além disso, no Brasil, as propostas em pauta pretendem dar um fim na gigantesca diferença entre a taxação da indústria e dos serviços. Entenda o que pode mudar, se a reforma for aprovada, nesta entrevista condida à Carta da Indústria

CI: Qual sua opinião sobre o debate em torno da reforma tributária no Brasil?
Rodrigo Orair: O primeiro condicionante importante é estarmos em ano eleitoral. As principais mudanças estruturais ocorreram nos primeiros anos do governo, quando ele, recém-eleito e com a legitimidade das urnas, consegue defender agendas mais amplas. O debate inclui as PECs 45 e 100, que no atual momento está com mais força. Em paralelo e não incompatível com a PEC 110, o governo federal havia anunciado a reforma em várias etapas. De concreto, foi apresentada a proposta de criação da Contribuição de Bens e Serviços (CBS) e uma reforma do Imposto de Renda, cujo projeto de lei está parado. Há uma pequeníssima chance de ser votado este ano e, caso seja, deverá ocorrer em versão muito reduzida.

CI: Qual a reforma tributária ideal e qual a possível?
Rodrigo Orair: Cada uma dessas propostas tem méritos, mas são insuficientes. O principal mérito é unificar a tributação de bens e serviços. Um problema bastante grave é a cumulatividade, ou seja, a incidência do imposto em cadeia sempre que ele não der o pleno crédito para ser apropriado pelas etapas da produção. Quem tende a ser mais punido? Os setores de cadeia longa, que são as indústrias. E os mais beneficiados: os de cadeias curtas, que são os serviços. Essa reforma tem o mérito de instituir tributos modernos, que são no destino, não cumulativos e que tendem a uniformizar mais a questão dos tributos entre bens e serviços.

CI: Quais as diferenças principais entre as propostas em pauta?
Rodrigo Orair: A PEC 45 se refere apenas à tributação de bens e serviços, tendo o objetivo de eliminar cinco impostos: IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS, unificando todos eles em um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), moderno, que incide no destino, e é repartido entre as três esferas da federação. Ela também cria um imposto seletivo sobre alguns bens e serviços específicos, como tabaco e combustíveis, e há possibilidade de se estender para questões ambientais. A PEC 110 também faz isso, mas tem uma especificidade: em vez de um imposto só repartido entre os entes, há dois, um federal e outro estadual repartido com os municípios. Embora os objetivos sejam semelhantes, do ponto de vista federativo é diferente, porque a competência vai ficar com os estados. E para dizer que não toca em propriedade de renda, ela põe umas migalhinhas, como mudar a base de incidência do IPVA para incluir embarcações e jatinhos. A proposta do governo federal, de certo modo, conversa com a PEC 110, mas em várias etapas, sendo a primeira o imposto federal, que é a CBS, basicamente substituindo PIS e Cofins.

CI: O que há de novo no mundo sobre tributação?
Rodrigo Orair: O mundo está reduzindo alíquotas de imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ) e, de outro lado, ampliando a base de incidência, revendo deduções e benefícios fiscais. O Brasil ficou atrasado nessa corrida. Hoje, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país tem a segunda maior alíquota do mundo, relativa a CSLL e IRPJ sobre o lucro das empresas. O único que é maior é Malta. Os países estão convergindo para 25%, 20%. O mundo está compensando, ampliando a base de incidência e trazendo a tributação para o nível da pessoa física.

CI: Qual a razão para essa mudança?
Rodrigo Orair: Há um conjunto de ideias por trás disso. A primeira é que o destino do lucro é diferente, quando cobrado no nível da empresa ou do acionista. Na empresa, tende a gerar mais investimento, então do ponto de vista macroeconômico é melhor. Uma segunda questão é de equidade. O lucro da empresa, quando tributado, tem mais chance de ser repassado para os salários dos trabalhadores, para os preços ou para os fornecedores que participam da cadeia. Ao passo que, quando tributado no nível da pessoa física, há uma chance maior de incidir sobre o acionista. Tende, portanto, a ser mais progressivo. Em função disso, há uma reversão da tendência histórica da trickle-down economics (teoria do gotejamento), que vem dos anos 1980 e ficou até mais ou menos a crise de 2008. Era a ideia de que conceder isenções e incentivos para a renda do capital na pessoa física seria bom para os pobres e para todos, geraria investimento, e isso não ocorreu. Esse debate veio forte depois de 2008 e tomou uma dimensão muito maior com a pandemia. Uma questão central é a equidade. Do Joe Biden, nos Estados Unidos, passando pelo Chile, há inúmeras propostas no mundo pautadas nessa revisão.

CI: No Brasil, temos ainda uma tributação setorial desigual, com indústria pagando muito mais do que os serviços.
Rodrigo Orair: A grande questão hoje é termos vários tributos que acumulam e se sobrepõem, e alguns não dão crédito nenhum, como o ISS. Outros permitem, como o IPI e o ICMS, mas não dão ao empresário o pleno aproveitamento de crédito. Ou seja, na prática, os tributos brasileiros são cumulativos em algum grau. Isso cria um segundo problema, que é o fato das alíquotas entre bens e serviços serem muito desalinhadas entre si. Vamos pegar o caso do ICMS: um IVA moderno é no destino. O ICMS é um misto de destino e origem. Significa que, quando o estado do Rio vende um bem para Goiás, parte ficará lá e parte aqui. Isso cria brecha para uma guerra tributária predatória.

CI: Como deve ficar após a reforma?
Rodrigo Orair: Há duas questões por trás: pretende-se aplicar uma tributação mais uniforme entre indústria e serviços e trazer tudo para o destino. Ao mesmo tempo limita-se muito o espaço para incentivos fiscais. Na versão da PEC 45, basicamente fica de fora a cesta básica, como um mecanismo de devolução do imposto para os mais pobres. A PEC 110 permite alguns itens, como plano de saúde, transporte público, cesta básica e algumas pequenas exceções.

CI: Incentivos fiscais acabam?
Rodrigo Orair: Não vão acabar, mas mudam de forma. Benefícios tributários não são ruins em si, o problema é o instrumento utilizado. Os estados foram forçados pela guerra predatória a conceder benefícios, e o que eles fizeram? Concentraram a arrecadação, principalmente, nas três chamadas blue ships, que não têm essa questão da origem, que são energia elétrica, telecomunicação e combustíveis. Foi onde os governadores conseguiram preservar sua base tributável.

CI: Como estão as resistências a essa mudança?
Rodrigo Orair: Do ponto de vista federativo, esse é o maior obstáculo à reforma. Hoje o benefício tributário do IPI e ICMS, infelizmente, é um dos poucos, senão o único instrumento de política regional de atração de investimento no Brasil. Não se pode acabar com isso sem entregar nada em troca. Em ambas as PECs, há previsão de substituir esse instrumento tributário por fundos regionais de desenvolvimento, que terão capacidade de fazer subvenções econômicas. A literatura diz que é até melhor. O fundo regional terá agências para receber os projetos e, em vez de reduzir o ICMS, o projeto receberá uma subvenção. O grande problema é quem vai colocar dinheiro nesse fundo.

CI: O fim dos incentivos não provocaria aumento de alguns preços?
Rodrigo Orair: Muita gente diz que a revisão desse ponto aumentaria a tributação para os mais pobres. Nós fizemos simulações no Ipea e chegamos ao resultado contrário. Se é verdade que existem muitos bens e serviços de consumo típico dos mais pobres com isenção, como a cesta básica, por outro lado os serviços são muito menos tributados do que os bens industriais também presentes na cesta de consumo dos mais pobres.

CI: É importante reduzir a tributação sobre a indústria, que chega a 45%?
Rodrigo Orair: Seria ideal ter a alíquota mais baixa possível para bens e serviços. Em vez de 27%, uma das mais altas do mundo – em média, porque há bens industriais pagando 44%, 45% e serviços perto de 7%, 8% –, o ideal é que seja 25%, 24%, quem sabe 22%, 15%, e retorna para os mais pobres todo o imposto que ele pagou, por meio de um programa parecido com o suplemento do Bolsa Família. Vão dizer que todos os prestadores de serviços, que geram 80% dos empregos do Brasil, vão pagar mais. Isso é uma desinformação, por dois motivos: primeiro não se mexe no Simples, e a grande maioria dos empregos é do Simples. Outra questão é diferenciar quem está vendendo para o consumidor final ou para as empresas. Estes se beneficiariam, porque hoje, mesmo com alíquotas pequenas – por exemplo, uma empresa que presta serviço de vigilância para uma indústria – não gera crédito. Se migrar para o imposto não cumulativo, passará a dar crédito. Quem perde são os prestadores de serviço para o consumidor final de médio e grande portes.

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