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Inflação na berlinda: entenda o comportamento do Índice de Preços ao Produtor (IPA)

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Publicado em 01/06/2021 17:52  -  Atualizado em  02/06/2021 13:22

Desde o ano passado, o industrial brasileiro vem enfrentando aumento elevado de preço das matérias-primas, dificultando ainda mais a retomada da atividade. Para avaliar o que está ocorrendo, a Carta da Indústria convidou André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Nesta entrevista, ele explica sobretudo o comportamento do Índice de Preços ao Produtor (IPA), um dos componentes do Índice Geral de Preços (IGP) que vem pressionando a inflação. O economista sugere políticas para lidar melhor com o problema e faz projeções para 2021.

Carta da Indústria (CI): Como você avalia a trajetória da inflação, do ponto de vista do produtor industrial?
André Braz: Para o produtor, é uma inflação que há muito tempo não se vê. Dois fatores desafiam vários segmentos industriais: o primeiro é a nossa desvalorização cambial, que foi forte, especialmente em 2020, em média de 25%, mas que ao longo do ano passado alcançou variação de 40%. Isso encarece muito alguns insumos cujos preços são cotados no mercado internacional. Em paralelo, houve aumento de preço em dólares de itens importantes, tanto do setor agropecuário, como soja, algodão, açúcar, entre outros, como também de minerais metálicos, como cobre, minério de ferro, que tiveram alta de mais de 20% de março de 2020 até abril deste ano. Só no final do primeiro trimestre, os preços de algumas dessas commodities mostraram um pouco de estabilidade; não queda, mas estabilidade.

CI: Como os preços finais vêm se comportando?
André Braz: No momento em que a nossa atividade econômica se encontra, não se consegue repassar isso fácil para o varejo. Há, portanto, uma redução grande na margem do setor industrial. Quando o bem é intermediário, ainda cabe algum repasse, por exemplo, a alta do minério de ferro provocou repasses para a indústria automobilística e para a construção civil. Pode até haver reajuste de preço, mas vai esbarrar em uma demanda muito desaquecida. O setor industrial fica muito pressionado. Alguns segmentos até encaram aumentos grandes − caso do setor elétrico, que precisa comprar postes intensivos em concreto e vergalhões. Em algum momento, isso vai se transformar em aumento da energia para o consumidor final.

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CI: Mas depende da retomada da economia?
André Braz: Havendo algum aquecimento da atividade que resulte na diminuição do desemprego e no aumento da renda. Já temos uma inflação contratada que pode ameaçar a nossa economia no médio prazo. E havendo uma nova desvalorização da nossa moeda, uma pressão dos preços em dólar pode intensificar os repasses, mesmo em ambiente de economia desaquecida, promovendo aquele cenário de inflação mais alta com desemprego. Isso é o que queremos evitar, que é o espalhamento da inflação.

CI: Como o país pode se proteger desse risco de espalhamento da inflação?
André Braz: São dois calcanhares que ajudam a manter a nossa moeda desvalorizada e que não permitem um aquecimento mais rápido da atividade econômica: a Covid-19, que afeta a retomada, e esse é um problema que já deveria ter sido encarado com políticas mais assertivas; e o endividamento público. Quanto mais endividado, menos assistência será dada às vítimas da Covid-19, seja reduzindo o número de contaminados, seja através de voucher assistencial. E a doença diminui a atividade, e isso reduz a arrecadação. Com esse agravamento da relação dívida x PIB, que está em quase 100%, fica difícil. Quando o Estado tem dinheiro para gastar, pode aquecer a economia e puxar o setor privado, com efeito multiplicador fundamental para termos um PIB acima de 1%. Setores privados não farão sozinhos investimentos capazes de sustentar PIBs de 2,5%, 3%. Não podemos deixar de considerar que a queda da Selic ao longo dos últimos anos, que era importante, também ajudou a desvalorizar a moeda. Agora a taxa aumentou, mas no início do ano estava em 2%. Juro baixo é bom, mas o nível de incerteza não permite a retomada.

CI: Como sair desse círculo?
André Braz: Tem que haver um pacto de toda a sociedade no sentido de reduzir o gasto público, e isso deve começar pela postura dos nossos dirigentes, anunciando medidas que, ainda que não surtam efeito no curto prazo, sejam aceitas pelos agentes econômicos como iniciativas que podem melhorar a situação fiscal. Entre elas, cito cortes e redução de ministérios, privatização de empresas públicas ineficientes, cobrança de impostos de setores não tão relevantes e produtivos e, no sentido oposto, melhoria para aqueles competitivos, para que gerem mais emprego e renda. É preciso estimular, revisando impostos de importação de matérias-primas de setores que podem competir melhor. Então, existem ajustes que não vão mudar a realidade da noite para o dia, mas criam um ambiente propício.

"Passos firmes do governo são mais importantes neste momento do que a melhora em si do resultado fiscal" - André Braz, economista do Ibre/FGV

CI: Qual o papel da política monetária neste contexto?
André Braz: Se houver um espalhamento maior dos preços, podemos aumentar os juros para diminuir a demanda. A taxa de juros é um instrumento muito poderoso, porém é aquele remédio que mata as coisas ruins e boas ao mesmo tempo. Em contexto de elevação de preços, é interessante atuar estrategicamente em um setor, por exemplo, que esteja aumentando muito os preços e contaminando outros importantes. Pode-se aumentar um pouco a competitividade, trazendo outras empresas, baixando o imposto de importação desse segmento, ou seja, são formas de limitar a inflação. Pode subir a Selic, porém nem tanto, desde que essas estratégias sejam usadas, evitando que a taxa básica aumente demais e prejudique setores estratégicos neste momento de recuperação.

CI: Poderia destrinchar um pouco o IPA?
André Braz: O índice é decomposto em três grandes estágios de processamento: as matérias-primas brutas – onde há pressão inflacionária, acumulando alta de mais de 60% em 12 meses –; os bens intermediários, ou seja, a matéria-prima com algum nível de beneficiamento; e os bens finais. A desvalorização do real foi maior do que no resto do mundo; e o efeito cambial ajudou o aumento das matérias-primas de duas maneiras: algumas commodities tiveram o preço aumentado em dólar; e isso favoreceu a exportação, com muitos segmentos optando por vendas externas. Mesmo que seja bom para a balança comercial, isso pesa para a inflação, porque desabastece o mercado interno e o preço aumenta. Isso aconteceu principalmente com o mercado de carnes. Para os bens intermediários, temos uma inflação em torno de 30%, e em bens finais, em torno de 20% em 12 meses.

CI: A inflação recua à medida que vai das matérias-primas até os bens finais?
André Braz: Vai recuando, mas não está baixa: 20% para bens finais é muita coisa. Vem chegando ao varejo aos poucos, mas de maneira controlada, porque o varejo considera itens que o IPA não considera. O orçamento familiar, por exemplo, é afetado por serviços, e a situação dividiu até a percepção de inflação entre os brasileiros ricos e os pobres. Os de classe média alta consomem muitos serviços e os de baixa, mais alimentos, que subiram quase 20% nos últimos 12 meses.

CI: Qual a tendência daqui para frente?
André Braz: Tem uma margem que pode vir a ser repassada em função de um aquecimento, e o preço das commodities está estável. Subiu e se manteve. Com isso, o índice está subindo menos. É o caso do IPA, agora com taxas em torno de 1,5% ao mês, ainda superalta. É um cenário preocupante para 2021. O ambiente é incerto e seguramente o IGP vai continuar subindo no primeiro semestre. Para o segundo semestre, vemos uma chance mais forte de desaceleração do IGP ou mesmo do IPA, mais pelo efeito base, pois é provável que, mesmo alta ainda, a taxa não supere a do ano passado.

CI: Sendo assim, como o índice fecharia o ano?
André Braz: No final de junho, pode chegar a 7,5%, 8% para o IPCA, do IBGE, que é o índice oficial para metas de inflação. Quando entrarmos no segundo semestre, a inflação cederá, mas não para 3,75% (centro da meta), e sim para algo em torno de 5,1%, 5,2%. O aumento do petróleo levou junto o diesel e o etanol, que é um combustível substituto, ainda que o setor sucroalcooleiro tenha sua dinâmica de preços. O aumento da gasolina tem efeito mais imediato no IPCA, mas eu fico preocupado com o do diesel, que é usado no transporte público de massa, no frete e na produção industrial. Seus aumentos acabam contaminando muito a inflação, pois gradualmente acabam sendo repassados. O que tem segurado mais é o setor de serviços, porque nem pode funcionar normalmente. O ambiente inflacionário não é dos menos desafiadores para 2021 e isso dificulta a retomada. Tem que diminuir as incertezas, para aumentar a credibilidade dos agentes econômicos.

CI: Há algo positivo? As privatizações, por exemplo, amenizam as incertezas?
André Braz: Amenizam. Dar um passo importante na política de privatização e saber que essa agenda vai continuar, onde couber, vai melhorando a imagem do governo para os agentes econômicos, que também vão ficando animados. Esses passos firmes e a confiança são mais importantes neste momento do que a melhora em si do resultado fiscal. Mostram que estamos no caminho certo.

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