Fronteiras do espaço físico e sideral, do tempo, do corpo humano. O Festival Futuros Possíveis chegou a sua segunda edição no último sábado, dia 7 de dezembro, e não por acaso a tag principal deste ano foi a palavra “fronteira”: o festival, mais uma vez, convida seus participantes a enxergar além. Pensadores brasileiros e estrangeiros compartilharam suas pesquisas, trabalhos e ideias sobre as tendências de futuros que estão sendo desenhadas no presente. Em todas as palestras e oficinas, o tema das fronteiras e das transformações que terão impacto em nossa sociedade, em nossa forma de consumir e de interagir com o mundo, revelou-se aos participantes de formas surpreendentes. “Neste momento, não existem respostas prontas, mas podemos antecipar perguntas. É importante dedicarmos tempo para provocar, refletir, propor e imaginar cenários”, ressalta Maria Isabel Oschery, gerente de conteúdo da Casa Firjan.

100474-19_077_materia.jpg Segunda edição do Festival Futuros Possíveis reuniu pensadores brasileiros e estrangeiros na Casa Firjan | Foto: Bruno Alencastro

As primeiras palestras, dentro da trilha “Redefinindo fronteiras em um mundo hiperconectado”, reuniram especialistas focados nos principais desafios geopolíticos de uma sociedade digital e global, e também em desigualdade digital, pesquisas sobre o espaço e o desejo de habitar outros planetas. Thiago Rondon, fundador e CEO do AppCívico e Codiretor no Instituto Tecnologia e Equidade, falou sobre “Geopolítica digital e o futuro dos territórios”, enquanto a queniana Muthoni Wanyoike, cofundadora da Nairobi Women, refletiu sobre “Como a Inteligência Artificial pode ajudar a promover igualdade entre as nações”.

Segundo Rondon, “há 15 anos achávamos que o maior desafio desta época seriam governos autoritários. Hoje vivemos uma distopia cibernética, ligada ao radicalismo e à desinformação. O número de pessoas que acreditam em terra plana é algo a se destacar. O território digital tem influência maior do que igrejas e países. Se o Facebook fosse uma nação, teria 2.3 bilhões de cidadãos”, disse Rondon, que também mediou um bate-papo com os outros palestrantes da manhã, o cientista e escritor Ivair Gontijo, físico e engenheiro de sistemas da NASA, e o artista mexicano Nahum Mantra.

Gontijo, que acaba de vencer o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria Ciências com o livro “A caminho de Marte: a incrível jornada de um cientista brasileiro até a NASA” (Sextante), foi autor de uma das palestras mais esperadas: “Vamos habitar novos planetas? O homem a caminho de Marte”. Ele falou sobre sua participação na bem sucedida expedição Curiosity, que levou uma nave ao planeta vizinho em 2012, e deu detalhes sobre o lançamento da nova expedição a Marte, prevista para julho de 2020.

_Vin_cius-Magalh_es_4927.jpg Ivair Gontijo, vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura com o livro “A caminho de Marte: a incrível jornada de um cientista brasileiro até a NASA” | Foto: Vinícius Magalhães

“Será que vamos para Marte? É muito provável. Com a Curiosity, descemos na cratera Gale, perto de uma montanha de 3,5 km de altura, com alta precisão no pouso. Descobrimos um lago estável por milhões de anos, um ciclo hidrológico inteiro”, ele contou. Em 2020, o objetivo da nova missão espacial, na qual Gontijo está totalmente envolvido no centro da NASA onde trabalha - o JET Propulsion Lab, na Califórnia -, será trazer amostras de material orgânico.

“Queremos saber se a vida se formou lá também. Vamos procurar os melhores minerais marcianos contendo compostos orgânicos, coletar amostras para serem trazidas para estudos, e preparar a chegada dos humanos”, contou Gontijo. “Vamos pousar numa planície, a cratera Jezero, onde descobrimos dois leitos secos de rios, um deles bem largo, com depósitos sedimentares. Vamos descer lá dentro. Já temos fotos de alta resolução que mostram dunas de areia e rochas sedimentares. A nave tem até um helicóptero pequeno agregado, o Leonardo, um instrumento que já está pronto para ir a Marte, foi testado a -120 graus Celsius e tudo funciona”, disse o engenheiro. A NASA espera enviar humanos a Marte até a próxima década.

Veja também: Evento na Casa Firjan leva o público a “viagens” ao futuro e ao espaço.

Comida 3D?

A segunda trilha de palestras, “As novas fronteiras entre bits e átomos”, levou os participantes a repensarem sua forma de se alimentar e também comprar roupas. Começou com a apresentação de Thiago Palhares, engenheiro químico especialista em Impressão 3D, que deixou o público curioso para provar sabores exóticos. Segundo ele, “em 2050 teremos 10 bilhões de pessoas, e teremos que produzir 60% a mais de alimentos, de acordo com a Organização das Nações Unidas. Mas será que não podemos mudar nosso padrão de consumo, com um novo sistema alimentar baseado em tecnologia?”.

Ele responde com um projeto inovador: a impressão 3D de comida. “Já conseguimos imprimir comida a partir não apenas de legumes, mas também insetos, como baratas de Madagascar. Adaptamos uma máquina de impressão com êmbolo e seringa, com aproveitamento integral dos alimentos. Todos podem se beneficiar disso, até mesmo pessoas que têm alergia e intolerância a alimentos”, ele afirma, embora pontue que ainda é difícil pensar numa forma de produção em massa. Ao fim de sua palestra, o público provou um “superpolvilho”, como ele mesmo definiu: uma mistura de beterraba, inhame e farofa de grilo. O resultado agradou.

100474-19_070_materia.jpg Comida 3D: o público provou um “superpolvilho”: uma mistura de beterraba, inhame e farofa de grilo | Foto: Bruno Alencastro

Cairê Moreira, fundador da Genyz, uma consultoria de pesquisa e desenvolvimento de soluções em 3D, falou sobre o “Consumo na Era da Personalização”. Ele se deu conta de que 51% dos brasileiros estão acima do peso, e pensou em como a tecnologia pode ajudar a inserir esse público no mercado da moda. “A humanidade nunca teve tanto poder na mão para denunciar a falta de igualdade. Indústria da moda não é feita para pessoas acima do peso, isso pode ser mudado com tecnologia. Seu corpo é escaneado, sem contato físico, e uma vez que isso aconteça, não existe mais P, M ou G, a roupa tem a sua medida. As novas gerações querem cocriar, e dessa forma só se produz o que é necessário, tudo virtual, focado na demanda das pessoas”, disse Cairê.

A última trilha de palestras, “Transcendendo a fronteira do que é ser humano”, trouxe para o debate Stevens Rehen, neurocientista e professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, que falou sobre “Edição genética e biohacking: Como os avanços na ciência biomédica vão ampliar nossas escolhas”. Robert Anderson, especialista em TI e transumanismo, falou sobre “O futuro é transumano? Como usar a tecnologia para que humanos e transumanos vivam harmonicamente”. E Dina Zielinski, cientista bioinformática e cofundadora do DNA.Land, tentou responder à pergunta “Seria o DNA a melhor forma de armazenar dados digitais?”

“O tempo é inexorável, mas a forma de vida, não. Temos escolhas que determinam a forma como envelhecemos”, disse Stevens, um dos principais divulgadores científicos do Brasil, apresentador do podcast “Trip com Ciência”. Segundo o cientista, “boa parte do nosso corpo de se regenera ao longo da vida. Exercícios físicos aumentam a produção de neurônios e reduzem a erosão dos telômeros, e a tecnologia traz uma série de possibilidades interessantes, sonhos cada vez mais fantásticos. Estamos nos modificando enquanto espécie. Isso pode ter um fator levando à depressão e a níveis de ansiedade mais exagerados, como temos visto no Brasil, onde 5.8% da população (11,5 milhões de pessoas) têm depressão. Somos um grande laboratório vivenciando um novo tempo.”

Robert Anderson surpreendeu a plateia ao falar sobre a chegada do transumanismo. “Está acontecendo rápido, mais cedo que todos esperávamos. Transumanismo normalmente corrige o que está errado com nossos corpos, mas e se tivermos pernas artificiais que nos permitam correr por muito mais horas sem parar? E se conectarmos nossos cérebros na internet o tempo todo? Como o transumanismo pode diminuir o buraco que separa pobres e ricos? E se alguém com Síndrome de Down puder superar seus limites?”, ele provocou. “A ciência acredita que o primeiro homem a viver 150 anos já nasceu. A tecnologia está entrando no nosso corpo. E o nosso corpo, ao mesmo tempo, está entrando na tecnologia.”

100474-19_230_materia.jpg O futuro é transumano? O especialista em TI, Robert Anderson, falou sobre como usar a tecnologia para que humanos e transumanos vivam harmonicamente | Foto: Bruno Alencastro

Do papiro ao livro, do disquete ao CD-R, do pen drive aos micro cartões de memória, a tecnologia de armazenamento de dados não para de avançar, segundo Dina Zielinski, autora de uma palestra no TED Global já visualizada mais de 1.5 milhão de vezes. Coube a ela encerrar a segunda edição do Futuros Possíveis. “Estamos na era dos zetabytes, não temos mais espaço de armazenagem, a construção de servidores que mantêm dados nas nuvens não é capaz de suprir a necessidade, e ao mesmo tempo qualquer organismo vivo é um dispositivo gigantesco de armazenagem de dados”, disse. “Nenhum dispositivo inventado chega perto do que pode ser armazenado pelo DNA. Cada célula é capaz de armazenar 1.5 gigabytes. E o ser humano adulto tem 30 trilhões de células no corpo. Pensem sobre o que somos capazes de fazer com isso.”

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