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Janela de oportunidades para reformas

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Publicado em 03/08/2020 14:00  -  Atualizado em  04/08/2020 15:27

O choque enfrentado pelo Brasil neste momento pode gerar na sociedade a percepção de que chegamos no limite e agora temos que mudar o modelo de gastos públicos do país. Essa é a opinião do doutor em Economia Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e ex-assessor do Ministério da Fazenda. Em entrevista à Carta da Indústria, ele afirmou que a reforma tributária entra nas prioridades, porque mesmo estados e municípios percebem o potencial menor de arrecadação do atual sistema. Marcos Mendes é autor do livro “Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?” e coautor do recente estudo “Uma agenda econômica pós-pandemia: parte I – qualidade do gasto público e tributação”, pelo Insper.

Carta da Indústria (CI): Como avalia a situação fiscal do Brasil nesse contexto de pandemia e déficit recorde?
Marcos Mendes: Antes da pandemia já estávamos em situação fiscal bastante difícil, que foi construída ao longo dos últimos 40 anos. A sociedade brasileira decidiu ampliar muito o gasto público com políticas sociais, sistema previdenciário benevolente, aumento do salário do funcionalismo. Com isso, a despesa pública vinha crescendo 5%, 6% acima da inflação todos os anos. Esse processo foi acentuado a partir de 2010/2011, quando o governo de então achou que conseguiria acelerar a economia com estímulos fiscais. Aumentou ainda mais o ritmo de crescimento da despesa e praticamente duplicou os benefícios tributários, em relação ao PIB. Isso abriu um déficit enorme, e a dívida, que estava na faixa dos 50% do PIB, disparou para 70% em dois anos. Isso está na base da grande recessão de 2014-2016; até que a política fiscal mudou. Houve um esforço de ajuste fiscal, veio o teto de gastos, a reforma da Previdência – uma série de ajustes que dependia ainda de muitas reformas. Fomos apanhamos pela pandemia nesse processo. E foi inevitável aumentar a despesa pública. A paralisia da economia derrubou a arrecadação e saímos de um déficit, previsto para este ano, de R$ 120 bilhões para R$ 830/850 bilhões. A dívida pública vai pular de pouco mais de 70% para quase 100% do PIB.

CI: Como enfrentar essa situação?
Marcos Mendes: Estamos mais pobres, mais endividados e precisamos ver como pagar essa dívida. Se a dívida sai do controle, voltaremos para o regime que tínhamos nos anos 1980, de estagnação, alta inflação, aumento da pobreza e da desigualdade, exclusão social; e não haverá política social que dê jeito nisso. Corremos o risco de um retrocesso muito grande, se não controlarmos a relação dívida-PIB.

CI: Em estudo anterior à pandemia, você já avaliava o agravamento, desde 2010, da incapacidade de o Brasil crescer. Como fica agora?
Marcos Mendes: O potencial de crescimento da economia brasileira é muito baixo. Você vê que depois da recessão recente, o patamar de avanço do PIB ficou na casa de 1%. É porque a economia brasileira está muito engessada. Temos um sistema tributário que desestimula o investimento e a alocação eficiente dos recursos. Com a economia fechada, não conseguimos importar as máquinas e os processos para nos tornar mais produtivos. Apesar da reforma trabalhista, o mercado de trabalho é engessado. Nossa força de trabalho tem nível de educação baixo, assim como sua capacidade produtiva. Temos insegurança jurídica, pois toda hora as regras do jogo mudam. Ou seja, há uma série de aspectos para melhorar o potencial de crescimento do país. Quando falamos das reformas, essa é a condição essencial para que a economia volte a crescer mais. Faz toda diferença manter o patamar de 1% ou ir para 3%. Ficaria muito mais fácil controlar a dívida pública, reequilibrar as contas do governo e entrar num círculo virtuoso de maior equilíbrio fiscal, mais crescimento e geração de renda.

CI: Quais as chances de aprovação das reformas de Estado, no contexto de pandemia?
Marcos Mendes: Um choque desse tamanho pode criar uma janela de oportunidades para reformas. Pode gerar na sociedade a percepção de que fomos no limite e agora temos que mudar de modelo, senão estamos quebrados. Veja, por exemplo, a discussão de que devemos mudar a política de assistência social, ou seja, há uma possibilidade de racionalizar esses gastos, acabando com programas que não funcionam bem, são mal desenhados e não chegam aos mais pobres. Juntaria o dinheiro que é gasto nesses programas para fazer outro mais eficaz, focado em quem realmente precisa e, ao mesmo tempo, criaria uma espécie de seguro para os trabalhadores informais. Se conseguirmos coordenar uma discussão política visando uma solução dentro da capacidade fiscal do Estado brasileiro, daremos um passo à frente. Mas se prosperar a ideia populista de que temos de dar dinheiro para todos, não importa o custo, aí iremos de vez para o buraco.

"A agenda de reformas está madura. Cada uma aumenta um pouco o potencial de crescimento”

CI: E quanto à reforma tributária?
Marcos Mendes: A mesma coisa, uma discussão dificílima, cheia de interesses cruzados, muito veto dos estados e municípios, mas que perceberam que estão quebrados e que os impostos, a cada dia, têm potencial menor de arrecadação. E vão ter um potencial ainda menor se a recuperação econômica for a passos lentos. Então criou-se um momento favorável para avançar. Uma reforma tributária bem feita muda o jogo. Estudo do Bráulio Borges (economista do IBRE/FGV) indica que o potencial de crescimento do PIB brasileiro aumenta 20%. Isso muda o jogo. Na hora em que se antecipa uma melhora no futuro, os investimentos no país começam hoje. Além disso, a agenda de reformas está madura: mudança no mercado de gás e no sistema de licitação de petróleo, aumento da abertura para navegação de cabotagem etc. Cada área dessas melhora as condições de investimento e dá mais segurança, aumentando um pouco o potencial de crescimento da economia.

CI: O que é um sistema tributário ideal?
Marcos Mendes: É um sistema que a gente nem percebe que existe, porque dá pouco trabalho pagar o imposto; não interfere no tipo de atividade, ou seja, é neutro do ponto de vista das escolhas: de qual setor, de onde e como as empresas vão produzir. Hoje o sistema tributário interfere em todas essas decisões. Os tributos são confusos e geram um contencioso imenso, dez vezes maior do que a média internacional. Todos os participantes do sistema federativo estão vendo que os impostos estão perdendo funcionalidade. Tanto as propostas da PEC 45, que cria um único imposto sobre valor agregado (IVA), quanto a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, vão na direção correta. A primeira é mais ambiciosa, resolvendo de uma vez o problema dos estados, mas se não for possível, que se resolva pelo menos essa ineficiência no plano federal.

CI: Como fica o país no curto prazo?
Marcos Mendes: É claro que teremos de lidar com a necessidade de curto prazo. Estamos com uma massa de desempregados, uma massa empobrecida, e vamos ter de arcar com o custo do auxílio emergencial estendido, mas já temos que pensar na reforma dessa política social e ter um desenho sustentável em termos fiscais e mais eficiente no atendimento da população mais pobre. Temos dois caminhos pela frente: reconhecer as nossas fraquezas, o fato de estarmos mais pobres, e, nesse caso, a crise atual gera uma coesão, no sentido de todos botarem o país para frente; ou ficar no discurso de que precisa gastar mais, que não importa o crescimento da dívida pública e que o Banco Central pode fabricar dinheiro. Por esse caminho, iremos para a estagnação e a depressão econômica.

CI: Você costuma falar em “escolhas duras” para sair desse quadro fiscal. Quais seriam?
Marcos Mendes: Escolhas duras porque não se pode achar possível aumentar os programas públicos sem custos. Como o debate político não é feito com base em números e evidências e sim na base da emoção, muitas vezes não conseguimos mudar. Gastamos com atenção social 12,8% do PIB, que é o dobro dos países do G20 e três vezes mais do que os emergentes. Em educação, são 6,4% do PIB, percentual maior do que 89% dos países do mundo. Não gastamos pouco, gastamos mal.

CI: Diante do cenário de pandemia e os impactos nas contas públicas, quais seriam as alternativas para o RJ frente ao Regime de Recuperação Fiscal?
Marcos Mendes: Primeiro, o Rio tem um problema grave, que é sua alta dependência de renda do petróleo. O Rio precisaria ter uma gestão desses recursos mais cuidadosa, voltada para controlar os picos de alta e de queda dos preços. Com relação ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), me parece que o estado fez muito menos esforço para cumprir o programa e jogou muito mais com a leniência do governo federal do que seria necessário. O grande problema do RRF é ter uma única punição, que é muito grave: a exclusão do programa. Mas essa punição é tão grave que não se torna crível – ninguém imagina que o Rio seja minimamente administrável se tiver que voltar a pagar integralmente sua dívida com a União, de uma hora para outra. O que precisa acontecer no RRF é uma adaptação, com penalidades intermediárias para os casos de não cumprimento de metas também intermediárias. E da parte do estado do Rio deveria haver maior compromisso de evitar o persistente descumprimento dos itens do acordo, como aumento do funcionalismo e das despesas com publicidade.

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